Somos a geração da ‘tolerância’ e da ~igualdade~, mas ainda
achamos que “mulata boa” é elogio. E se oprimimos e objetificamos a mulher,
fico triste em constatar que o fazemos com ainda mais intensidade quando
se trata de
uma mulher negra. Não é preciso ir muito longe
pra se deparar com essa triste realidade. É só ligar a TV no mês de fevereiro:
quem samba nua não é a menina magrela. Não é a gordinha branca. Não é a loira
peituda. É a mulata farta.
É só prestar atenção: as piadinhas de mau-gosto dirigidas à mulher
branca, na rua, são diferentes das piadinhas para as negras. A mulher branca é
princesa, boneca, gostosa, no máximo. A mulher negra é potranca gostosa. “Se te
pego, faço estrago, nega boa.” Contra a mulher negra a violência é elevada à
máxima potência, porque prevalece a cultura do sexo brutal, sujo, violento e
clandestino. De uma espécie de escravização sexual assustadora.
Convenientemente, depois de constatar que ainda é extremamente
difícil ser mulher no século
XXI, constatei, com muito lamento, que é ainda mais –
infinitamente mais – difícil ser uma mulher negra no Brasil. A mulher
branca ainda é coisificada e vitimada pelo machismo – afinal, lamentavelmente,
ninguém escapa. Mas a delicadeza européia foi legada a ela. E à mulher negra
restaram as ancas largas, o biotipo avantajado, o corpo fogoso e a alma suja,
indigna de delicadeza.
A mulata tem bunda grande e sexo fácil. Fácil de vender pra gringo
no carnaval. Vende-se a globeleza, vende-se a passista – vende-se a dignidade
da mulher
brasileira por
um preço ínfimo. Guarda-se a cultura colonial, porque ela ainda convém.
Não digo, com isso, que a mulher negra não se casa. Não encontra
parceiros bacanas e estáveis, que a respeitem e a enxerguem como a mulher digna
que ela é. Digo, apenas – e, acredite, com muito lamento – que a sexualização
da mulher negra é muito mais explícita. É machismo e racismo juntos. É letal.
A comercialização da beleza
negra é
tão absurda quanto assustadora, porque representa uma violência não contra a
mulher negra – mas contra toda mulher brasileira. Contra mim e contra você,
mesmo que tenha o cabelo fino, os lábios pequenos ou os olhos claros. Todas nós
– que temos um pouquinho de cultura afro-brasileira nas veias – somos
violentadas pela cultura da mulata de exportação,que originou uma terrível
imagem da mulher brasileira: a mulher feita pra trepar no carnaval e depois
pedir a mão de uma mulher branca e digna. O Paraíso de belas praias e belas
bundas.
Somos as mulheres do carnaval. As mulheres de “comer”, porque as
“de casar” estão na Europa – com suas bundas bem guardadas em calças manequim
38, enquanto as nossas estão saltitando na avenida, “cobertas” por um fio
dental, sendo esfregadas pela mídia na cara do
Sinhozinho que só veio fazer turismo sexual, que desrespeita o nosso Povo mas
paga em Euro.
A sexualização a partir da cor da
pele –
ou do biotipo, ou da classe social, ou do tipo de roupa – não é elogio. É
violência. Somos todas brasileiras. Somos todas mulatas. E ainda somos de
exportação – enquanto persistir essa cultura que – mesmo sem perceber – nós
alimentamos.
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