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sábado, 28 de junho de 2014

Minha maior loucura de amor: não recomendo

Minha maior loucura de amor: não recomendo

Era final de 2010 e Paul McCartney encerrava seu segundo show em São Paulo com a clássica “The End”. Essa é a tal última canção do último disco dos Beatles que se encerra com “the love you take is equal to the love you make” – frase que muitos hoje em dia usam em seus perfis em redes sociais sem fazer ideia do que se trata, você já deve ter lido em algum. Nas duas horas anteriores em que Macca esteve no palco, eu já tinha me debulhado em lágrimas sem parar um segundo sequer. Beatles é a banda da minha vida. Nunca tinha visto um show de algum beatle, aquele era um momento emocionante demais. Para completar eu tinha acabado de levar um pé na bunda da mulher que eu acreditava ser o amor da minha vida. Não deu para segurar. O metro quadrado em que eu estava em pé no estádio do Morumbi parecia a marginal Tietê quando chove.
Entre sair do show lotado, pegar o carro, deixar em casa ou em um ponto próximo os amigos que estavam de carona e seguir para minha cidade, entrei em casa por volta das quatro da manhã. Sentei no sofá. Acendi uma ponta. Inebriado pelo show do Paul ou pelos eflúvios maléficos da marofa, morrendo de saudade daquela danada, achei que tinha que fazer alguma coisa definitiva.
Esse texto vai ser longo. Se você quiser desistir por aqui eu vou entender.
Não conseguia parar de pensar nela. Ela era esperta, inteligente, sexy, cheia de ideias diferentes, conceitos diferentes dos meus sobre a vida – o que é legal, a gente passava horas conversando -, transbordava racionalidade onde eu era pura intensidade. Ela era vivida, independente, eu era um menino numa eterna adolescência, que tinha visto filmes demais, lido livros demais, escutado rock stars demais. Ela tinha me marcado à ferro e eu estava morrendo de saudade dela. Precisava fazer algo, sentia que já tinha passado aquele tempo regulamentar em que você sente se ela vai voltar ou não. Precisava de impacto, dar um choque na história. Poderia ter escrito uns versos matadores, uma canção pop, pintado um quadro, jogado flores de um helicóptero. Mas, não.
Eu li livros demais, ouvi música demais, vi filmes demais.
Vagando pela casa, já quase de manhã, topei com um bonequinho que eu e ela brincávamos que seria nosso filho. Branquelo, cabeçudinho e com a camisa do Corinthians. Aí bateu. A maldita ideia. Ela é filha de um executivo de banco e por causa da profissão do pai, morou em várias cidades no interior de São Paulo. Juntei uns maços de cigarro, vários CDs, tentei não pensar muito, deixar o impulso tomar conta e peguei o carro. A missão: levar o bonequinho e fotografa-lo nas cidades em que ela morou, nos lugares importantes que ela tinha me contado e montar um livro de fotos. Raspei a última grana que tinha no banco, enchi o tanque, liguei no emprego e disse que estava doente. Estrada adentro. Uma mistura de Amelie Poulain e Elizabethtown. Uma loucura sem tamanho.
Os primeiros cem quilômetros eu fui na boa, como falei, a manha era não pensar muito no que estava fazendo. A primeira parada era, óbvio, na cidade em que ela nasceu, distante quase 600 quilômetros, na divisa com  o Paraná. Cheguei lá por volta da uma da tarde, tirei a foto do boneco na porta da maternidade onde ela nasceu sob olhares descrentes e curiosos dos munícipes e parti. Foi quando a razão começou a mandar recados. Viajei sem dormir umas seis horas pra ficar cinco minutos na cidade. Mas estava longe demais, com saudade demais pra desistir. Parei para um café. Como não tinha dormido, não poderia comer algo com mais substância para não ficar com sono dirigindo. Passei o dia a pão na chapa, café e Coca-Cola.
Entre a cidade que ela nasceu e onde ela passou a infância e começou a sonhar em ser jornalista, rodei mais uns trezentos quilômetros. O pior não era a estrada de mão dupla, nem o calor infernal que fazia, carro sem ar condicionado, muito menos os caminhões segurando o trânsito por quilômetros sem pontos de ultrapassagem, mas a ânsia que bateu depois que fui tomar um gole na latinha de Coca-Cola e quase engoli uma bituca de cigarro que tinha jogado lá dentro. Pelo menos a força de vontade de segurar o vômito me manteve acordado por um bom trecho.
Passei pela cidade da infância. Pela cidade da adolescência. Pela cidade onde morava os avós que ela adorava. Pelo lugar onde a mãe trabalhava. Pela estação de trem que ela gostava de fugir. No bar em que gostava de ir com os amigos. Passei pelo primeiro emprego. Pela faculdade. Tudo isso em várias cidades diferentes em que nunca tinha passado perto e cruelmente distantes e fora da rota uma da outra. Em algum momento, na rodovia Anhanguera, o cansaço era tanto que desisti de gastar energia me preocupando com radares – toquei o foda-se de vez. Era nove da noite e já estava de novo na marginal Tietê torcendo para conseguir ainda encontrar um shopping aberto para revelar as fotos. Cheguei faltando vinte minutos pra fechar, guardei o dinheiro do pedágio, comprei um álbum bonito e mandei revelar aquele caminhão de fotos para desespero dos funcionários que já estavam contando os segundos pra ir embora. Ato contínuo, ainda dirigi mais 100 quilômetros até minha cidade.
Em casa, espalhei as fotos em cima de uma mesa, abri o álbum e comecei a colar e escrever. Fiz um livro sobre a vida dela. Tentei buscar meu melhor texto, que rabisquei tentando fazer uma letra bonita. Era como se eu contasse para o bonequinho (nosso filho, lembra?) quem era a mãe dele e porque eu gostava tanto dela e a queria do meu lado de novo.  Só coloquei uma foto minha. Na última página da história, uma foto eu e ela, felizes. E deixei algumas páginas em branco no final pra gente preencher com as nossas fotos felizes dali por diante, as nossas fotos de um futuro que estaria por vir. Terminei, fechei o livro numa caixa junto com o bonequinho e deixei na portaria do prédio dela as cinco da manhã – exatas 24 horas de total delírio.
Dormi o sono dos loucos e desajustados, fui trabalhar, fiquei esperando o telefonema dela pra falar do presente. Ela ligou no fim da tarde, horas intermináveis de espera. Disse três frases, nessa sequência:
- “Obrigada, nunca ninguém fez nada tão bonito pra mim”
- “Faltou uma cidade”
- “Encontrei um ex-rolo ontem e começamos a namorar”
Rápida, ela.
Otário, eu.
Passei os meses seguintes mergulhado abaixo do fundo do poço, sem ao menos ter vontade de sair com os amigos solteiros e entrar na putaria, o que seria a solução lógica. Bebia sozinho até não ter mais condições de respirar.
Passou. Claro, uma hora passa.
Depois dessa história, ela enfileirou um namorado mais maluco que o outro. Problema dela.
Eu descobri que ela não era um único oásis nessa estrada louca da minha vida. Que o melhor pra mim ainda estava por vir, um pouquinho mais adiante. Acredite.
As lições de tudo isso? Duas.
Faça loucuras de amor somente para quem gosta de você e quer ficar do seu lado. E verifique se não tem bitucas de cigarro antes de dar um gole numa lata de Coca-Cola.

By Alexandre Petillo

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