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sábado, 23 de agosto de 2014

Porque você não deveria buscar uma outra metade e sim um outro inteiro

Porque você não deveria buscar uma  outra metade e sim um outro inteiro

Identidade, essência, peculiaridade, é o que me distingue da rosa vermelhadesabrochando no jardim, do gato escondido do frio debaixo das escadas, da moça que ajeita os óculos delicadamente na fila do pão, do outro que eu escolhi para dividir a beleza da travessia comigo. A união de dois inteiros cheios de individualidades, encontra um meio termo de convivência tornando a prática da rotina um dos prazeres mais agradáveis do dia a dia do amor. Aquilo que cada um traz da sua história, dos seus costumes, hábitos, medos e receios, é a cerejinha do bolo dos relacionamentos, exatamente o que agrega valor a parceria. Quando a gente deixa de lado toda essa bagagem física e emocional em troca de mergulhar profundamente na vida do outro, o equilíbrio desta relação, quem a gente é e, o que a gente busca dentro daquele romance se perde. Um perigo iminente caso o navio, cedo ou tarde, decida deixar o porto.
O cenário é o de sempre: quando menos se espera, o solo de ballet clássico vira um delicioso samba a dois. De repente se tem companhia certa para o cinema, para o passeio no parque, o happy hour de sexta, para preencher o dia com um turbilhão de atividades ou, simplesmente, para dividir o ócio e o silêncio. Cada um, individualmente, pisa no palco do relacionamento agregando leituras e compassos diferentes a dança do amor. Afinal de contas, a forma com que a melodia toca os corações dos dois extremos varia de acordo com a permissividade e a reciprocidade da vivência de ambos. O equilíbrio é justamente o que mantém a continuidade e a fluidez do espetáculo. Se um dos lados começa a exercer o papel do outro naquela coreografia, se a identidade dos envolvidos se perde em algum ponto da travessia, o samba simplesmente desanda.
Talvez o que mais me preocupe neste enredo é que o distanciamento da nossa essência vai acontecendo literalmente aos pouquinhos. O que antes era um fato isolado e justificado com amor, agora é hábito, rotina, é submissão exagerada e inferiorizada às crenças e ideologias de alguém que, por melhor que seja, ainda está mostrando a que veio e ganhando espaço na nossa história. Esse mergulho sem oxigênio em um relacionamento e na própria vida do outro, sufoca não somente a relação, mas também aquele “eu interior” que te faz ser diferente de tudo e de todos. E nem é preciso muita filosofia para entender a mensagem: virar do avesso e recriar uma pessoa inteiramente nova, simplesmente para se encaixar melhor naquele capítulo é perda do maior que deveria existir, o amor próprio.
Tudo bem mudar do rock para o MPB, da biologia para o direito, do teatro para a dança, do visual executivo para o descontraído, do preto para o branco, do pão com manteigapara o biscoito caramelizado. Desde que sejam mudanças reais, vindas de desejos e urgências completamente pessoais e intransferíveis. Uma coisa é a vida mostrar que existem outros caminhos além daqueles visíveis da janela de casa. Outra completamente diferente é a gente abdicar do nosso estilo de vida, das nossas vontades, das nossas vivências, em prol de se “adequar” a um relacionamento e então se sentir a vontade na travessia de outra pessoa. Reformulações pessoais só são de fato efetivas e transformadoras se partirem de nós, na tentativa de saciar a nossa fome de evolução e de mais ninguém. Se uma pessoa, situação, sentimento, exige da gente um avesso desconhecido talvez, só talvez, não seja a morada ideal para aquilo que a gente decidiu chamar de amor.
Encantamento é a nossa essência vivida até a última gota da palavra, sendo vista sob os olhos amorosos de um coração cheio de permissividade. Se a gente deixa isso de lado, se a gente começar a viver a vida de outro alguém ao invés de dividir a estrada com ele, aquilo que antes serviu como fator de aproximação, distancia cada vez mais nosso lado da balança com o do outro. Pode ser que a primeira vista a viagem seja alucinante e repleta de adrenalina. Contudo, o que acontece com a nossa identidade se o capitão do navio decidir abandonar a embarcação?! As pessoas não têm que se apegar a um padrão fixo de existência. Aliás, flexibilidade é a chave do sucesso das grandes parcerias. Somos todos mutáveis, ainda bem. Mas que as metamorfoses sejam bem embasadas, para que em caso de porto vazio a gente ainda consiga se encontrar. Porque relacionamento a gente pode até embarcar em outro, mas com a nossa identidade, é convivência para a vida inteira.

By Danielle Daian

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