Eu gostaria de compartilhar algumas
impressões sobre mitos que envolvem orelacionamento
amoroso que abalam, prejudicam, corroem a vida a dois
silenciosamente. Espero que gostem, farei esse percurso em três etapas.
Mito 1 – Perfeição
Tenho uma séria dificuldade de falar
sobre perfeição, pois não consigo entender de onde vem essa ideia e para onde
ela caminha.
Alguns similares me parecem pouco
compreensíveis como “sem rachaduras”, “sem falhas”, “incrível”, “maravilhoso”,
“completo”, “pleno”, “preenchido”.
Essas ideias são improváveis num
relacionamento, porque são impalpáveis na vida. O que seria algo que se mostra
completo, inabalável, sem imprevistos, impasses, oscilações ou descompassos?
Algo imóvel, sem vida.
O corpo humano mostra o que podemos
entender por perfeito, um organismo vivo, mutável, volúvel, cíclico, faltante, processual,
alimentável, que excreta excessos, administra ataques externos, se recompõe,
mas que fatalmente entra em estado de decrepitude e falência. Algo perfeito é
também aquilo que possui prazo, ainda que não determinado. A perfeição enquanto
algo intocável ou sem variações pode ser asfixiante.
Um relacionamento necessita
contemplar uma dose de frustração, fracasso, desilusão e variação. É totalmente
aceitável que as pessoas quebrem expectativas, sonhos e fantasias, afinal
nossos desejos e sentimentos são mutantes e não definitivos.
Esse mito é causador de brigas muito
comuns em que de alguma forma um dos dois deixou de satisfazer as fantasias do
outro e querer que um relacionamento seja perfeito seria admitir que seu
próprio mundo emocional é estático e sem criatividade.
É fácil olhar para o casal de amigos
e dizer que é perfeito por conta de meia dúzia de sorrisos e beijos
apaixonados. Não se preocupe, eles pensam o mesmo do casal ao lado.
Mito 2 – Completude
A velha ideia de metade da laranja, a
tampa da panela ou do sapato velho com o pé cansado são manifestações populares
do mito que existiria uma pessoa que viesse completar plenamente todas as
nossas lacunas, faltas e anseios emocionais.
O sentimento de uma incompletude
psicológica que pudesse ser preenchida por um parceiro amoroso esbarra no mito
anterior, de que a vida pode ser um jogo com encaixe perfeito. E que alguém
pode compensar nossas inabilidades com suas competências pessoais.
O plausível é que possa haver um tipo
de parceria e complementaridade pessoal no relacionamento. Soma de forças e
talentos pessoais em que cada parte se assuma incompleta ao lado de outra
incompletude sem expectativas e decepções.
Saber que a incompletude faz parte da
experiência amorosa evita acusações quando ainda se sente vazio e insatisfeito
mesmo com um relacionamento.
Mito 3 – Eternidade
Quando uma mulher conhece
um homem ela começa a fazer uma série de cálculos emocionais. “Será que ele é serio?”,
“tem filhos?”, “a mãe dele é legal?”, “tem os mesmos gostos que eu?”, “será um
bom pai?”.
A ideia de eternidade está embutida
na mente feminina, em que cada tentativa amorosa é reacendida uma esperança com
relação a um homem que nunca mais a exponha ao medo da solidão. “Jamais me
sentirei sozinha e faltante novamente”.
Mais uma vez a ideia de perfeição e
completude se associam ao tempo que nunca se acaba.
A possibilidade de um fim de ciclo no
relacionamento não é o atestado de pessimismo ou declaração de que algo não é
sério, mas só um treino mental que abra um espaço de liberdade emocional
para que o relacionamento caminhe em moldes mais amplos e sem deduções sobre um
futuro imaginário que afete o presente.
Mito 4 – Espontaneidade
O amor deve acontecer naturalmente,
sem nenhum tipo de esforço, totalmente espontâneo. Esse é o mito.
Sentimentos podem parecer
espontâneos, mas não são e dependem de tantos fatores e variáveis.
Um relacionamento amoroso também deve
ser esculpido pelo casal, como nas mãos de um artesão. E se o relacionamento se
dispõe a ser duradouro e sólido carece de um olhar atento e cuidadoso.
Administrar os impasses de uma
vontade individual demanda trabalho e clareza, e ainda maior quando associado
ao contexto de duas pessoas com condicionamentos, crenças, modelos mentais,
posições e jogos próprios.
Mito 5 – Primeira vista
Tudo deve ser definido no primeiro
olhar, encontro, mês ou ano da relação. O imediatismo mágico só acontece em
filmes. Um relacionamento amoroso pode surgir de contextos tão diferentes e
imprevisíveis que jamais podemos calcular.
Amigos de anos podem se perceber
gostando além da amizade. Colegas de trabalho que apenas resolviam problemas
técnicos percebem outro tipo de relação. Casais legítimos (e também
incompletos) surgem de relacionamentos incialmente confusos ou improváveis.
O relacionamento é muito mais
parecido com uma história que se trança pouco a pouco ao longo do tempo e que
engloba mil considerações e negociações em que cada um cede e oferece espaços
para o outro. Nada de instantâneo, tudo gradualmente construido. Mesmo que a
primeira vista agradou não foi ali que nada se consolidou de verdade.
0 comentários:
Postar um comentário