Para o homem é infinitamente mais
difícil reconhecer, aceitar e expressar a sua “face de humanidade” no mundo
exterior. O macho é preparado para ser um obreiro eficiente, um soldado voraz,
um líder “moralmente irreprovável” e outras besteiras do tipo. A nenhum homem é
dado o direito de ser uma “pessoa humana”, com plena liberdade de expressar
seus sentimentos e seus desejos mais íntimos, sem o perigo de ser chamado de
“maricas”, “boiola” e outras grosserias do mesmo naipe. Há enormes
preconceitos, interdições e obstáculos sócio-culturais para a livre expressão
do homem – qualquer homem – em qualquer aspecto ou área da vida em sociedade.
No caso de homens transgêneros, então, esses impedimentos são ainda mais graves
e opressivos do que para os homens em geral.
Embora ninguém precise necessariamente travestir-se para
expressar sua transgeneridade (há muitas formas possíveis de se fazer isso), a
verdade é que o travestismo é a prática mais comum na vida das pessoas
transgêneras. O crossdressing, ou seja, travestismo, chega a ser emblemático da
condição transgênera, ao ponto de uma coisa ser tomada pela outra. Homens
transgêneros são vulgar e pejorativamente chamados de “homens vestidos de
mulher”.
Mas só quem é transgênero conhece a angústia insuportável
que nos aflige quando não conseguimos expressar externamente aquilo que
sentimos por dentro. A roupa, o calçado, a maquiagem são os veículos mais
elementares e mais “à mão” para a gente expressar o nosso sentimento de
inadequação ao gênero em que fomos “enquadrados” ao nascer.
- “Imagine o que a minha esposa diria se me visse vestido
de mulher, da cabeça aos pés, como eu gosto de fazer quando ela viaja… O mínimo
que ela ia achar é que eu sou gay, que enlouqueci ou as duas coisas juntas… Era
separação na certa, com todo o terror que um episódio desses envolve…”
- “Imagine o que os meus colegas de trabalho diriam se me
vissem montada, do jeito que eu gosto de andar…”
- “Imagine a opinião dos meus vizinhos ao meu respeito, se
por acaso me encontrassem vestido de mulher”…
Essas preocupações são nada, para quem já passou pela
experiência de afirmar-se como SER HUMANO, assumindo diante de si mesmo e do
mundo todas as limitações, possibilidades, virtudes e deficiências que a
condição de SER HUMANO acarreta.
Contudo, para quem ainda disputa com Deus para ver quem
pode ser “mais perfeito” e mais “isento de mácula”, como é o caso da maioria
dos transgêneros que vivem trancados nos seus armários, o simples fato de
imaginarem que suas “tristes máscaras podem cair” deixa-os completamente
perdidos, confusos e atordoados. Sem perceberem que, se isso acontecesse, tudo
que o mundo veria seria apenas A SUA PRÓPRIA VERDADE, mantida debaixo de uma
mentira social.
Nenhum transgênero precisa revelar-se a quem não queira.
Mas é fundamental que se revele às pessoas que vivem próximas de si. Esse
simples expediente pode fazer com que sua vida mantenha um padrão mínimo de
dignidade e conforto, coisas impensáveis caso ele não consiga se comunicar com
o pequeno mundo à sua volta, constituído por pais, esposas, namoradas, filhos,
amigos e companheiros de trabalho.
Mas revelar ao mundo a nossa identidade transgênera não é
uma tarefa fácil. Para a maioria, é a própria “visão do inferno” imaginar que
outras pessoas, especialmente aquelas que a gente mais ama, possam julgar-nos
sexualmente depravados e moralmente decaídos ao saberem que a gente gosta de se
vestir de mulher.
Diante da vergonha e do ridículo que “poderiam” passar, a
maioria mantêm-se presos a vida toda, trancados em seus “closets” e vivendo uma
existência absolutamente vazia e miserável.
Quem já se revelou, garante que não há nada do que se
arrepender, mesmo quando não houve exatamente o tipo de aceitação e
entendimento que a pessoa esperava. Nesse caso, a revelação foi um momento de
cair as máscaras, pois também não é possível a gente viver tanto tempo enganado
a respeito de pessoas que a gente pensa que nos amam e nos aceitam como a gente
é…
Portanto, se você ainda continua “esperando uma chance”
para se revelar, não pense duas vezes: – respire fundo e revele-se agora mesmo.
Boas oportunidades a gente é quem cria.
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