Você se senta no banco de trás do
carro rotineiramente. Ela conversa e repousa as mãos na coxa dele enquanto o
trânsito de São Paulo se desenrola devagar. Seu batom é um
verdinho-tom-de-alguma-coisa e ele repara no vermelho dela. Você de tomara que
caia e tomara que ele não se lembre dos vestidos que ela gostava de usar e das
predileções dela por alças. Ele confunde as ruas e comenta com alguém sobre
algum lugar no qual nunca trouxe você. Talvez tenha sido especial pra eles
dois. E você se sente isolada. Na ponta superior de um
triângulo-nada-equilátero.
O seu homem mora no passado. Vive com você, mas parece entrar numa máquina
do tempo estranha que o transporta pra todas as coisas que o fazem se lembrar
dela. Ele transforma o relacionamento de vocês numa bigamia sentimental. E você
aceita isso. Aceita levar café na cama pra eles dois. Aceita que ele jogue as
pernas por cima dela e erre o seu nome. Aceita que ele faça bruscas comparações
que não são cuspidas da boca pra fora, mas fogem dos olhos dele. Você convive
com um fantasma, moça. Desses que transitam pela casa e pela memória do seu
amado. Desses que não jogam limpo porque fizeram questão de despir as faltas e
as partes feias do que eles foram e se tornou esse retrato imaculado de alguém
com quem você não consegue competir. Parece até que o homem que você ama sofreu
algum tipo de lavagem cerebral.
Esse fantasma se aproveita do distanciamento das coisas e sopra ao ouvido
dele que um amor como aquele vai ser difícil de encontrar. Relembra os bons
lugares, as boas pessoas e os beijos bons como se o filme em sépia tivesse
ganhado uma nova produção em cores vivas e 3D. E todos os pontos que você marca
são impedidos. Não, ele não faz por mal. Ele tem que compreender que a ex dele
não vive mais aqui. E que você é outra pessoa completamente diferente. Mas ele
vê espelhos e reflexos infinitos de marcas de batons diferentes. Você tenta, em
vão, espantar o fantasma dela da casa. Mas se esquece de que ela é fruto da
vontade e da memória dele.
E enquanto você se pega tentando trazer esse homem de volta pro presente,
ela assombra o seu futuro. Mas será que vale tanto a pena dar ouvidos aos
sussurros quase inaudíveis de uma assombração? Se você se deixa levar e abre
espaço, o passado que era só passado acaba encontrando lar na sua casa. E você
acaba influenciando o seu relacionamento atual com uma suposição paranoica de
algo que nem existe mais.
É quase impossível de desvencilhar das coisas que eles dois viveram
juntos, mas você pode construir coisas novas. Você só vai viver na mesma cama
que ela se quiser. Se deixar levar pelo ciúme de um livro interrompido, mofado
e largado no escuro é como decretar que a sua história atual está fadada a ser
roteiro mal desenvolvido. Ou script rodado com falas clichês. E em cada lugar que
você for, na rua ou no banco de trás do carro, ela não precisa estar a sua
frente. Adianta forrar a casa com porta-retratos, quadros e móveis novos.
Mais ainda, adianta espanar a poeira e os pensamentos pra fora da casa. A
cama só é pequena demais pra vocês dois porque você resolve sempre materializar
um fantasma deitado ao seu lado em todas as noites.
By Daniel Oliveira
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